Herói
Em um mundo carente de heróis, perdido no meio de um povo cansado por natureza o conheci.
Não era nenhum cantor, ator ou personalidade do mundo da moda. Era um simples cidadão que enxergava o verdadeiro valor da vida e o bem que fazia ser feliz.
- Trabalhei numa pedreira. – com orgulho assim falava.
- Agora vendo doces feitos pela minha amada para sustentar a filharada.
Eram dez os seus filhos, três seus de sangue e os outro sete adotados, filhos de seus irmãos que tão prematuramente faleceram, deixando tal herança e responsabilidade.
Era preciso trabalhar, a vida parecia muito difícil, mas sempre com um sorriso ele caminhava pelas ruas com seu carrinho de doces, sempre com a esperança de um futuro melhor adiante.
Quando as crianças cresceram pode com orgulho ver seus netos nascendo. Era a idade que folgada começava a incomodar, a imperdoável passagem do tempo.
Isso não o abalava, pois considerava cada fase de sua vida extremamente importante e valorosa. Afinal, estamos sempre a aprender com este senhor impiedoso chamado tempo.
Os amigos comentavam:
- Mesmo com esta idade ele não perde o sorriso.
Os conhecidos assim falavam:
- O Senhor Manoel é um guerreiro.
Os vizinhos curiosos se indagavam:
- Como será que com tão pouco dinheiro conseguiu formar está família tão bela?
Era um homem admirado por muitos, pois conseguira ver nas dificuldades um caminho para o belo, sempre lutando contra as lágrimas que muitas vezes escorreram de seus olhos no escuro da noite, junto ao colo de sua amada.
Mas um dia ocorreu a fatalidade: Um tombo...uma doença... ele nunca mais seria o mesmo...
O cancêr não afetava sua alma, nem suas esperanças de num belo dia acordar sem mais nada sentir. Olhava seus netos, sua neta e recuperava as forças, pois em cada olhar infantil via o seu esforço de anos valendo a pena.
Sua neta...Sua Princesa... Tinha quatro anos...
Olhava aquele singelo sorriso da criança que brincava em baixo da mesa, via tanto nela, naquele pedaço de gente que lutara pra viver. Sorriu a ela e vagarosamente foi caindo ao chão.
Socorrido por seus filhos e por seu cunhado, deixou sua casa rumo ao hospital. Foi a ultima vez que se viram, depois disso ela só recebia de presente os talheres de plástico bem lavados do hospital.
Até que um dia o presente não veio, a mãe disse a menina:
- Seu vovô tá com os anjinhos, minha princesa...
Depois disso abraçou a menina forte e chorou. A criança, por algum motivo que desconhecia, também chorava.
Foi assim que eu, ainda na infância descobri o que era a morte, assim como o que era perder.
Mas tanto tempo se passou, e eis que aqui estou sempre a lembrar de ti e daquela bela canção que tu tanto gostava.
Lembro você pedindo com voz fraca da cama:
- Aumente o rádio.
Atendendo ao seu pedido o som era aumentado, podia-se ouvir então a canção que falava:
“Eu amava como algum cantor / de qualquer clichê / de cabaré/ de Lua e flor...”
Nunca me esquecerei desta música, assim como tua lembrança vive sempre dentro de mim, lembrança de um tempo em que eu era toda pureza e delicadeza, tempo em que eu sabia encontrar felicidade nas pequenas coisas da vida, como um talher de plástico ou um longo abraço apertado vindo de teus braços que foram sempre tão grandes e fortes para mim.
Sim, você era e é meu grande herói, um herói suburbano que ainda hoje, mesmo com a passagem dos anos, me visita todas as noites em meus mais belos e concretos sonhos.
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