Analuz
Analuz aos três anos pensava em ser bailarina, até o dia que quebrou a perna e nunca mais quis dançar...
Mesmo sem seu primeiro sonho a menina continuo a sonhar, a desejar a utopia real, pois a medida que a vida a limitava, ela adquiria novos sonhos que se assimilavam a sua realidade.
Teve uma infância sem dança, mas cheia de música e esperança.
Quando completou treze anos seus pais se separaram. Desde então ela nunca mais sorriu.
Como poderia ela sorrir se confiava tanto em seu pai e derrepente isso, um adeus sem explicação, sua mãe chorando no canto do quarto observando um dos lados do armário vazio.
Fora o fim de uma etapa, o final da música e começo da poesia pesada de Augusto que de Anjo não tinha nada para acalmar a alma da menina.
Analuz viu sua mãe erguer-se do chão e nos seus olhos observou uma força nunca vista antes. Ela admirava sua mãe que é honesta, trabalhadora, mas por vezes se pegava a lembrar de um tempo em que podia dormir sossegada em seus braços.
Acostumou-se a ver a mãe sair cedo para trabalhar, enquanto ela permanecia sozinha em casa.
Certo dia, Analuz ouviu um barulho no quarto, o medo a desesperou, a garota se trancou no banheiro e passou a tarde inteira a chorar. Em pensar que fora somente um gato...
Ao chegar em casa, a mãe procura pela garota, como não obtém resposta ao gritar seu nome desespera-se e passa a correr por todos os cômodos existentes na residência. Chegando no banheiro dos fundos bate a porta e pergunta:
- Ana, você está ai?
- Minha Luz me responde
Não obtém resposta, grita desesperada:
- Abre a porta, minha filhinha, por favor !
Já desesperada ela empurra a porta até que consegue quebrar o trinco, entra e passa os olhos pelo cômodo, vê a porta do box entreaberta e escuta um choro fraco. Sem pensar duas vezes abre a porta de uma só vez e depara-se com a menina sentada no chão abraçando os seus joelhos com força e a cabeça baixa parecendo estar com medo e vergonha de algo.
- Filha, o que você tem? Diz Luz?
- Mãe, eu te juro, não queria que isso tivesse acontecido.
- O que houve, meu amor?
- Por que você nunca me disse que isso podia acontecer?
- Isso o que, Aninha?
- Olhe só, mãe, estou com vergonha de mim.
A mãe olha para menina que abre as pernas e mostra a ela vestígios de sangue. Ela então sorri e diz:
- Meu bem, você agora é uma mocinha, apenas isso
- Mas eu não quero ser mulher!!!
Sai chorando em direção ao seu quarto e tranca-se.
A mãe preocupada procura ajuda de um psicanalista, fala a ele sobre o acidente de carro que deixou um defeito em no joelho da menina, de como isso impedia que ela dançasse, sobre como a garota gostava de ouvir música e adorava ler alguns livros velhos de poesia deixados pelo pai que as abandonara a pouco e sobre o ocorrido no banheiro por causa de um simples gato e a chegada da menarca.
Após uma fria analise, o doutor pede para que a menina, agora garota, entre no consultório. A mãe a chama, atendendo prontamente sua mãe, a garota entra no consultório senta-se e fica olhando fixamente para o médico. Permanecem assim por horas, até o momento em que o homem, incomodado, pergunta:
- Analuz, qual seu desejo ?
A garota continua olhando para o homem fixamente, ele tenta lançar um novo e infalível argumento:
- Analuz, qual é o seu medo?
Neste momento a garota olha o médico mais fixamente ainda, as lágrimas começam a escorrer por sua face, perturbada a garota responde:
- E eu que só queria dançar....
- Será que você não pode me compreender?
- Eu quero me libertar.
- Queria poder voar.
- Nada mais...
Levanta-se e sai correndo do consultório, sua mãe tenta segura-la em vão, como relâmpago a menina empurra a porta e vai em direção a rua. Perturbada não vê nada, só lembra-se do grito agudo de sua mãe e do barulho alto do carro.
Uma semana depois, Analuz começa a reagir e a primeira coisa que vê ao seu lado são seus pais dormindo, o pai sentado ao lado da mãe e os dois com as cabeças encostadas dormindo.
Doces lembranças lhe passam pela cabeça, a menina sorri e pensa:
- Sim, tenho de aceitar que agora eu sou mulher.
Olha para os seus pais, sorri, fecha seus olhos e volta a dançar. Ao final do espetáculo as luzes se apagam e todos ouvem a triste música de uma só nota. Adeus...